domingo, 26 de dezembro de 2010

Amor em Saturno

Anoiteceu... Estou enroscada no teu corpo enquanto respiras sobre o meu ouvido. Lá fora posso ver as luzes da cidade e o eterno piscar verde e vermelho dos trilhos... Ao fundo desenha-se o imenso Saturno enquanto rolamos lentamente na sua órbita. A tua mão acaricia-me a barriga e encontra o meu peito, beijas-me atrás da orelha... aninho-me em ti. Procuras-me inspirando o meu pescoço e apertando-me, forte, contra ti. As minhas ancas encontram-te desenhando círculos na tua pele nua e tu estendes-te para mim... Queremos movimentar-nos à velocidade da sombra, refreamo-nos. A tua boca e a minha encontram-se no nada e as nossas línguas dançam ao sabor do desejo. Ficamos, assim, perdidos no paladar do nosso amor, encontrados nos aromas quentes da nossa paixão, fundindo-nos derretidos no desejo que nos provoca. Tocas-me a pele nua e percorres as paisagens que sabes de cor até aportares no cais húmido e quente que te recebe e te molha... A minha língua percorre agora a tua orelha, enquanto respiro pesado, indiferente aos meus sons, fixa nos teus. A minha boca desce o teu pescoço,a língua percorre o teu peito e encontro-me com o teu desejo que engulo e exploro à medida que te entregas aos prazeres do porto ao qual chegaste, agora, com a língua... A velocidade da sombra há muito que foi ultrapassada, procurando-nos, impacientes, inconformados de não conseguirmos verdadeiramente fundir-nos, unir-nos... Unimo-nos então no nosso querer, abraço-te, dentro e fora, deslizas-me em ti em velocidade de cruzeiro e deixo-me ir ... levando ondas ao teu navio, fazendo-o baloiçar... Mas continuas a navegar, procurando mais ondas para te embalarem na tua viagem... E enquanto me apertas pela cintura contra ti e te entregas ao momento em que o navio é uma nave e passa para lá de Andrómeda, abraço-te olhando-me lá fora nos anéis de Saturno... como eu sou agora o teu anel que em movimentos quanticos de aperta enquanto te esgotas em mim...

Arame III

No equilíbrio instável do arame, encontro-me cega envolta na luz que me consome... vou avançando como que a querer escapar da eternidade de estar assim... o meu coração impele-me para diante, a minha mente fica lá atrás, nas memórias que me constroem. Parto-me em duas. O unicórnio que se desenha  numa sombra diante de mim deforma-se e ganha traços de uma massa informe e negra que desafia o brilho que o envolve; borboletas de cinza profundo rodeiam-me e procuram-me antes de se desfazerem em fumo... Cores intensas são disparadas do nada e atingem-me explodindo num festim que se torna acromático. Vacilo  e desequilibro-me. Apenas sinto o arame sob os meus pés que bate, ritmado, e abana-me, abana-me... Consigo equilibrar-me, segura no vazio, e avanço... Não passas de uma sombra na caverna que nunca poderei abraçar. Estarás para lá da luz...  não consigo alcançar-te...

sábado, 25 de dezembro de 2010

Menos...

A vida tem estado a dar-me algumas lições. Sobre o amor, já tenho falado... Tem, agora, susurrado ao meu ouvido que, quem nunca sofreu, não tem direito a doer... Pode pisar-se, ignorar-se, usar-se, fingir-se... não importa, pois é pelo bem dos que sofreram. Sinto-me uma espécie de instrumento de expiação do sofrimento que os outros passaram, para que tenham agora a felicidade... Uma alma limpa de dor, tão difícil de encontrar, que quando se acha enche-se avidamente de negrume para aliviar a de outrem... Um saco vazio que pode usar-se para colocar os dejectos emocionais dos que sofrem... Posso aceitar, adaptar-me, sorrir, brincar... mas sinto-me cada vez mais negra, má, cheia, pesada... menos humana... menos mulher... menos...

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Morte

A minha pele está rosada, queima... Enquanto me arde o corpo neste inferno, o meu coração estala e quebra-se em gelo. Vagueio sem rumo caminhando sobre o sofrimento, tudo se torna cinzento, os movimentos param, a essência abandona o mundo... o mundo não está lá fora. Vou sendo consumida por este inferno íntimo e próximo que tão bem conheço. Enquanto choro de dor vou sentindo saudades por já cá ter estado. Tudo é tão familiar... Vivi num prado de flores luxuriantes mas esqueci-me de onde ficava o alçapão para a dor... e caí nele... De volta aqui ficarei para sempre! Corro, choro, grito,salto e caio no chão, a arder, sem forças, sem ânimo, sem vida... E volto a chorar – já não corro, nem grito, nem salto – e torno a cair, não me levanto... Numa vida, em duas,em três... não tenho vontade de que me salvem, ninguém tenta... Encontro uma luz azul no centro do Sol que me puxa e suga... deixo-me ir e vou... Vou mergulhando lentamente nessa paz fria e metálica, tranformo-me numa estátua torpe e gélida, já não há movimento, o coração há muito que não passa de uma safira a decorar o meu peito... Já não há vida... Morri.............

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Rainha das Formigas

Sou uma necrópole de almas encantadas que se encantam por mim... Vou carpindo o que sou sem conseguir conter e teimo em existir... A inutilidade de teimar, assim, faz a roda girar, e girar... Inepta! Não sou mostrável, apresentável, sequer transportável... Sou uma massa morta, fervente de vida que se transborda noutras vidas... Só isto! Rainha das formigas... Deusa das efémeras... Imprópria de se ver, breve no ser! Volto a ser nada... Volto a ser...

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Arame II

Estou imóvel no arame. Apenas ondulo ao sabor do vento acompanhando a física do movimento... Vens junto a mim, aqui no respirar, quase te toco os lábios! Mas não estás aqui... Olhas-me como se... Quisesses... Dou dois pequenos passos e avanço, no momento em que te diluis no branco, nada... Olho mentalmente para trás e encontro aquele caminho que é nosso... Dentro da via láctea dos teus olhos, no universo da minha pele, num turbilhão de sentimentos que nos confundem e nos tornam sílica numa praia batida pelas ondas com sabor a mar... Avanço, os meus pés são empurrados por uma onda que percorre todo o arame antes e depois de mim! Perscruto  a névoa diante de mim para ver delinear-se um vulto de luz que me cega...

Antiqua III

Na minha frente, apenas um ponto luminoso.
Intrigante esse ponto na solidão da noite.
Esse deus que me acompanha, cauteloso,
Sempre pronto a dar à asneira um açoite.
Na minha frente, apenas o laranja vivo;
Talvez o fogo que arde em mim, essa paixão
Que corre, cortando o ar nocturno com um uivo
E que a persegui-lo tem uma voz doce que diz: não!
Na minha frente apenas o homem que amo
E as trevas da noite envolvendo o aroma
O cheiro acre e doce que exala o meu amo
Na minha frente, apenas um vulto que tramo.
O meu corpo suado, numa noite em Roma!
E por fim olho e à minha frente está esse vício que chamo!


                                        1992

domingo, 12 de dezembro de 2010

Arame

Tenho os pés descalços sobre o arame, olho em frente e a névoa não me permite ver o objectivo...
Os músculos e os tendões vão fazendo o seu trabalho mantendo-me neste equilíbrio instável sobre o abismo.
Avanço, deslizando no fio, sentindo cada milímetro do seu toque... fixo-me no vazio branco à minha frente...
Vens-me à memória como uma insuportável imagem de conforto perante o desafio de agora!
Como é bom estar cá em cima, sentir o vento frio a provocar-me... eu e a morte - eu e a vida!
Percorro mais alguns metros e os meus pés sangram, agora, ao passar as pontas retorcidas do arame que se tornou farpado...
Estou viva, não é um sonho! Desta feita, vens-me tu à memória abanando-me o coração... fazendo-o bater!
Cercam-me sombras, imagens desfocadas e translúcidas de quem só conheço na curva da imaginação...
Enfiam as mãos fantasmagóricas no meu cérebro e desfiam de lá a culpa, a consciência, a maldade e a dor...
Dou mais uns passos... o vazio cega-me...

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Antiqua II

Olhava o horizonte, espectante!
estupidamente serena...
A revolta rasgava, gritante!
O coração baralha-se no bater
A mente estaca de terror!
O amor: eu nunca o soube beber
A paixão: sempre foi a minha dor!
Uma espada cortante
Dilacera-me o peito
E uma cor berrante
Destrói o que eu já tinha feito
A loucura invade o meu saber
Eu espero um sinal
Para o ter ou não o ter
Trato-o, por fim, sem nenhum mal
Insatisfeita, volto a correr
Não sei p'ra onde, para que reino
Conheço aquela árvore e aquela pedra também
Sem ansiedade alivia-se a dor
Encontra o meu coração sem mal e sem bem
Aquele que é agora o meu amor.


1994